Quando o segundo ato do espetáculo começou, a torcida – que na verdade torcia pro “todo” – se inflamava em labaredas de adrenalina. E na velocidade de socos, chutes, cabeçadas e mães putas que pariam filhos, um dos homens (?), aparentemente o comprador do espetáculo todo – pois tudo que sobrara da violência mencionada também lhe havia sido dirigido -, é acertado por uma garrafa vazia. Esta que havia sido manejada por uma mão furiosa, encontra seu fim na cabeça raspada do tal “causador”. E antes de “partir desta para melhor”, o recipiente da droga que bancava o show todo, deixa sua marca no mundo: abre um buraco na cabeça do homem (?).
A mão vai à cabeça. Os olhos se fecham fortemente em uma expressão de dor. Uma voz feminina grita, pede que chamem a polícia. O vermelho já chegava à boca e ele ainda insistia na luta. Sua masculinidade toda gritava que isso não ficaria assim. E toda a honra que seu pênis lhe proporcionava forçava-o a recolher um dos cacos do chão e tentar inutilmente acertar mais alguém. A mão aperta com mais força o ferimento.
Daquele buraco e por entre seus dedos podiam-se ver suas gerações escorrerem vermelhas, encharcarem suas orelhas, rolarem pelo seu pescoço e serem absorvidas por sua camiseta regata. Em gotas de história vivida, apressadas, caiam em grandes pingos no asfalto ainda quente. Eu tive certeza que se aproximasse meu nariz daquela poça eu sentiria o cheiro de gerações embriagadas, masculinas, selvagens.
“Meu Deus! Ninguém vai fazer nada?!”, foram as palavras da mesma voz feminina de antes. Dois homens (?), que também participavam do sobe e desce dos copos, se aproximam do Homem-Vermelho e acalmam seus braços, suas pernas, sua voz, mas não o buraco em sua cabeça. Os três se afastam do bar, vão a algum lugar onde pudessem limpar o sangue, tapar o buraco e tratar a raiva. Pelo menos, por mim mesmo, assim desejei que tivessem feito. E ainda desejo.
Apesar de tudo, senti ter pagado pelo ingresso assim como os outros homens (?) que agora se dispersavam. Entristeci-me. Minha coluna curvou, meus pêlos devem ter crescido, meu apêndice voltou a ser útil, meus caninos avançavam na fenda da boca e, se tivesse achado uma pedra dando mole, teria feito fogo ou afiado uma lança pra caçar.